Opinión
diciembre 2023

Nicolás Maduro brinca de guerra com a Guiana (de olho nas eleições presidenciais de 2024)

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O recente referendo organizado pelo governo venezuelano procurou funcionar como cortina de fumaça e, ao mesmo tempo, como motor de uma campanha nacionalista no contexto de uma nova mobilização da oposição e de continuidade da crise socioeconômica.

<p><strong>Nicolás Maduro juega a la guerra con Guyana (mirando las presidenciales de 2024)</strong></p>

Diversos analistas da oposição venezuelana afirmam que a exagerada ação oficial na reivindicação do território de Essequibo é uma questão puramente política, ou seja, uma ação desesperada do governo de Nicolás Maduro para insuflar o entusiasmo nacionalista nas suas bases e facilitar a inabilitação maciça de candidatos opositores nas eleições do próximo ano. Outros acreditam que o governo bolivariano tenta recriar um conflito bélico de baixa intensidade ou mesmo simular uma espécie de Guerra das Malvinas, para suspender as eleições presidenciais de 2024 e possibilitar a ação de um Estado que, com a desculpa da guerra, possa mobilizar um potencial repressivo inusitado.

Por sua vez, os porta-vozes do governo insistem na legitimidade da reivindicação territorial dizendo que a Guiana não cumpriu o Acordo de Genebra, que proíbe, enquanto não for resolvida a disputa fronteiriça, a atividade extrativista em toda a área reivindicada. A petroleira Exxon impulsiona enormes projetos de investimento no Essequibo, e o Palácio de Miraflores ameaçou a firma estadunidense com um ultimato exigindo sua retirada. Mas a empresa China National Offshore Oil Corporation também opera na Guiana.

Nesse contexto, o governo de Maduro organizou um polêmico referendo para consultar a população sobre reivindicações territoriais, com o qual procurou mobilizar suas bases políticas, aparentemente com pouco sucesso. A consulta prevê a possibilidade de recuperação do território por «todas as vias possíveis». O Brasil e a Comunidade do Caribe (Caricom) reagiram promovendo um encontro para diminuir a tensão entre os países vizinhos.

Buscamos esclarecer, de forma bastante sintética, alguns aspectos desse confronto e pensar suas diversas implicações, em meio a um contexto pré-eleitoral.

Guiana Essequiba: petróleo, água doce e muitas oportunidades

O território reivindicado tem uma área de 159.542 km². É três vezes maior que a Costa Rica e quase metade da Itália. O Essequibo abriga seis das dez regiões da República Cooperativa da Guiana, assim como 125.000 dos seus 800.000 habitantes.

Há cerca de oito anos, a multinacional Exxon e seus sócios realizaram 46 descobertas de reservas de petróleo na Guiana, o que equivale a cerca de 11 bilhões de barris, aproximadamente 0,6% das reservas totais mundiais. O Essequibo também possui importantes recursos hídricos graças à sua extensa rede de rios. As descobertas tornaram o país uma das economias de maior expansão no mundo, com um crescimento do PIB de 57,8% em 2022 e 25% previsto para 2023. O PIB da Guiana triplicou desde 2019. Segundo diversas estimativas, uma cifra entre 700.000 e um milhão de barris de petróleo por dia poderá ser alcançada em poucos anos, quantidade similar aos 750.000 que a Venezuela extrai

Segundo conta a historiografia ensinada nas escolas venezuelanas, o território de Essequibo sempre fez parte do espaço geográfico nacional. Se viajarmos até 1499, os espanhóis foram os primeiros a explorar aquele território; chegaram antes dos holandeses e dos ingleses. De fato, o nome do rio vem do explorador Juan de Esquivel, já que os povos originários transformaram seu sobrenome e o chamavam de «Essequibo» e assim ficou, de acordo com historiadores da época. Como lembra Hever Castro, em 1648 a Holanda e a Espanha assinaram o Tratado de Münster e reconheceram o rio Essequibo como fronteira. Em 1777, para unificar seus territórios, a Espanha criou a Capitania Geral da Venezuela, e o Essequibo entrou na sua jurisdição. Segundo Hever Castro, antes de os ingleses assumirem o controle oficial da Guiana em 1814, os mapas da época tinham Essequibo como território da Venezuela. Exemplo disso é o mapa da América do Sul elaborado em 1807 pelo famoso cartógrafo oficial dos ingleses, John Cary. No entanto, como lembra o acadêmico guianês Ivelaw Griffith, quando os britânicos tomaram dos holandeses o controle de toda a Guiana em 1814, uma das coisas que não foram feitas foi uma clara demarcação do que é o território britânico e do território da Venezuela, país que se tornou independente da Espanha em 1811.

Segundo a historiografia venezuelana, os ingleses, a partir do caos surgido com a guerra de independência venezuelana, começaram a invadir o território venezuelano a leste do rio Essequibo. Diante dessa situação, Simón Bolívar recorreu à diplomacia em 1822 e apresentou uma queixa formal às autoridades britânicas em Londres. A iniciativa não teve sucesso. Poucos meses após a formação da Grande Colômbia, que existiu legalmente entre 1821 e 1831, pode-se constatar que em seus mapas a Guiana Essequiba estava incluída dentro de seu território. Em 1825, isso foi reconhecido pelo Reino Unido. Após a dissolução da Grande Colômbia, os governos da Venezuela não abordaram a questão até 1887, ano em que o presidente Antonio Guzmán Blanco rompeu relações com o governo britânico e até ameaçou iniciar um conflito bélico. Os Estados Unidos intervieram como mediadores, no âmbito da Doutrina Monroe, tentando convencer os britânicos para que fossem a uma arbitragem internacional com a Venezuela.

Em 1899 foi realizado o chamado Laudo Arbitral de Paris, no qual, segundo historiadores venezuelanos, não foram levadas em consideração as provas fornecidas pela delegação de Caracas: o tribunal decidiu a favor do Reino Unido e determinou que lhe pertenciam cerca de 140.000 km² em disputa. A Venezuela considerou que o laudo continha defeitos legais e denunciou extorsão e cumplicidade dos intermediários. Vale lembrar também que a Venezuela não teve nenhum representante nacional próprio: os Estados Unidos a «defenderam» na arbitragem, o que revela pouca transparência e prejudicou a defesa do interesse nacional.

Em 1966, a Guiana tornou-se independente dos britânicos e assinou o Acordo de Genebra. Por meio desse acordo, a Venezuela reconhece a soberania da Guiana, mas reitera que o Essequibo é venezuelano. Chega-se então a um compromisso para buscar um acordo, mas o Essequibo permaneceria sob posse da Guiana até que uma solução negociada fosse alcançada. Desde então, muitas reuniões foram realizadas sem resultados. Segundo Hever Castro, a Venezuela é apoiada pelo princípio uti possidetis iuris, que exige que os territórios descolonizados sejam herdados integralmente pelos novos ocupantes, a fim de evitar mais guerras ou conflitos.

Desde a década de 1960, as reivindicações venezuelanas foram mais intensas, e Caracas buscou o apoio dos Estados Unidos. Ivelaw Griffith destaca que, naquela época, Washington temia que a Guiana independente se tornasse «outra Cuba», devido à liderança de Cheddi Jagan e do Partido Progressista do Povo (PPP), e se aproximou da Venezuela como forma de pressão sobre a nação vizinha, num momento em que as empresas estadunidenses eram as principais investidoras na Venezuela. Na década de 1980, Fidel Castro apoiou publicamente a Guiana, e seu ministro de Negócios Estrangeiros chegou a falar de um suposto «expansionismo» da Venezuela.

A Guiana sempre insistirá que a integridade do seu território é inviolável e está fora de qualquer negociação. E o fato de o Essequibo representar cerca de 66% de sua superfície dificulta qualquer acordo. Para a ex-colônia britânica, já existe uma demarcação total e completa de suas fronteiras, reconhecidas por todos os seus parceiros nesta região, incluindo Brasil, Cuba, Caricom e os Estados Unidos, entre outros. Georgetown argumenta que o laudo arbitral de 1899 deve ser rigorosamente respeitado como um acordo que sela a questão fronteiriça. Nesse contexto, o país estreitou os laços com os Estados Unidos e empreendeu programas de treinamento militar que parecem intimidantes para Caracas. A Guiana, por sua vez, considera «uma ameaça iminente» o plano de ação elaborado por Maduro, que declarou a criação de um Estado venezuelano nesta região administrada pela Guiana.

A estratégia bolivariana e a petrodiplomacia

Para muitos analistas, a Guiana observou a extrema fragilidade diplomática do governo de Maduro e aproveitou a oportunidade para pedir à Organização das Nações Unidas (ONU) que transferisse essa disputa à Corte Internacional de Justiça (CIJ), a fim de conseguir a ratificação plena do Laudo Arbitral de Paris. Isto também seria respaldado pelas demarcações feitas em 1905, quando a Venezuela assinou o mapa elaborado pelo Reino Unido entre 1900 e 1904, aceitando as novas linhas fronteiriças entre os dois países. Esta é a base do que a Guiana alega atualmente na CIJ. O problema de Caracas é que seus aliados, como Cuba, não a acompanham nessa reivindicação, assim como a Caricom, o Brasil e a China. Por isso, o governo venezuelano teme uma decisão desfavorável da CIJ e manifestou a sua firme intenção de desconhecer esse tribunal, denunciando-o como um braço do imperialismo.

Apesar dessa manifesta animosidade chavista contra a Guiana, a história recente mostra uma realidade com mais nuances. Em 19 de fevereiro de 2004, durante uma visita histórica a Georgetown, o então presidente Hugo Chávez esqueceu as proibições estabelecidas no Acordo de Genebra de 1966 e autorizou por sua própria conta a Guiana a explorar os recursos do Essequibo.

Chávez deu garantias de que seu governo não se oporia a nenhum projeto que fosse desenvolvido nessa região para o benefício de seus habitantes. Não apenas isso: o presidente venezuelano incluiu a Guiana no seu projeto da Petrocaribe para lhe dar petróleo com descontos altíssimos, juros a uma taxa de 0%, perdão de dívidas e possibilidade de pagamento em produtos (arroz, mandioca, etc.)

Apenas um ano depois, em 2005, a Guiana começou a explorar pelo menos seis jazidas de ouro, bauxita e diamantes na área reivindicada, sem que o governo venezuelano emitisse qualquer opinião. Maduro visitou a Guiana novamente em 2013, e na reunião não se tocou no tema de Essequibo.

Por tudo isso, a analista Elsa Cardozo considera que Maduro tenta fugir à responsabilidade do chavismo com relação à situação comprometida em que se encontram os interesses venezuelanos na disputa com a nação vizinha. Segundo ela, isso se deveu ao interesse geopolítico de Chávez de contar com o apoio dos países do Caribe nas instâncias multilaterais. Para Cardozo, o governo procura agora desviar a atenção dos venezuelanos em relação à grave crise humanitária que ainda existe no país, o que se reflete em baixíssimos níveis de apoio popular. A Venezuela tem o recorde, alcançado em 2023, de manter a inflação mais alta do mundo por oito meses consecutivos, mais de 630 dias sem aumento salarial e o terceiro salário mínimo mais baixo do planeta (3,50 dólares por mês), se forem excluídos os títulos que não têm impacto nos benefícios sociais. Numa situação tão catastrófica, o referendo busca distrair as atenções para não se tocar em questões sociais de suma relevância.

As primárias e o referendo

Em 3 de dezembro, foi realizado um polêmico referendo consultivo sobre a reivindicação territorial do Essequibo. O governo propôs cinco perguntas sobre as ações que o Estado venezuelano deveria tomar em relação a esse assunto controverso. A Guiana pediu de imediato a anulação do referendo, por considerá-lo uma provocação e porque ele incluía, segundo o governo guianense, questões de índole belicista.

As perguntas eram bastante técnicas e distantes, pela profundidade de suas implicações, para uma população que geralmente desconhece os meandros de um assunto jurídico sumamente complexo. A primeira pergunta, por exemplo, referia-se à possibilidade de rejeitar ou aceitar o Laudo Arbitral de Paris de 1899, texto que quase ninguém leu no país. A segunda era relacionada ao Acordo de Genebra de 1966, e a terceira, ao reconhecimento da jurisdição da CIJ. A quarta pergunta se referia ao uso da fachada atlântica do Essequibo pela Guiana, e a quinta, à possibilidade de criar o estado da Guiana Essequiba, incorporando o território a um novo mapa oficial da Venezuela. Neste último ponto, destaca-se a possibilidade de conceder cidadania e cédula de identidade venezuelana aos povoadores dessas terras.

O referendo foi recebido com espanto. Um governo que normalmente exerce suas políticas sem consultar ninguém e surpreende com suas leis e normas decide, de repente, organizar uma consulta justamente sobre um tema que não deveria estar sujeito a esse tipo de consulta, já que as autoridades têm o mandato de defender a integridade do território nacional, se for o caso, sem ter que perguntar aos seus cidadãos. Um assunto tão técnico deveria ser destinado aos especialistas mais experientes. Nesse contexto, votar não ou não votar era considerado um ato de lesa-pátria. Mas a consulta foi «não vinculante», de forma que seu resultado não estabelece qualquer obrigação para o governo.

O referendo parece responder simplesmente a uma estratégia nacionalista destinada a mudar o foco das atenções, tanto dos venezuelanos como da comunidade internacional, em relação à complicada situação política que o regime bolivariano atravessa. O advogado constitucionalista Allan Brewer acrescenta que «é errado e inoportuno que o governo pretenda agora se escudar atrás do povo por sua falta de diligência e interesse em ter permitido e aceitado por tanto tempo que a Guiana desenvolvesse livremente a exploração dos recursos naturais em toda a área reivindicada».

Para muitos, o repentino interesse em reativar a disputa com a Guiana é explicado pela necessidade de ofuscar o sucesso incomum das primárias da oposição, apesar do cerco oficial e da ação dos setores opositores próximos ao governo. Apesar de tudo o que aconteceu, as primárias da Plataforma de Unidade conseguiram uma participação maciça que lotou os locais de votação. Multidões tomaram conta de muitas ruas, e a atmosfera festiva pulsava com uma efusividade pouco habitual após as derrotas recorrentes de uma oposição extremamente enfraquecida.

O clima do dia do referendo foi oposto ao das primárias. Nas redes sociais é possível ver centenas de fotos e vídeos com locais de votação vazios e mensagens ameaçadoras de porta-vozes políticos do chavismo de base. Alguns diziam que quem não votasse seria despedido ou perderia a distribuição de sacolas de alimentos e «benefícios». Apesar da campanha milionária – e do consequente desperdício de recursos –, as pessoas não pareciam entusiasmadas com a causa guianense.

À noite foram anunciados os primeiros resultados. O presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) falou em 10 milhões de votos a favor do referendo. Para muitos, o número de 2.000.000 de eleitores parecia exagerado, devido à pequena quantidade de pessoas vistas nos centros eleitorais. Mas a cifra era inaceitável, porque era inferior à obtida por María Corina Machado nas primárias. No dia seguinte, a CNE aumentou a aposta e disse que a participação tinha sido de 10 milhões de pessoas, que em 96% dos casos, em média, haviam votado pelo «sim».

Os 10 milhões parecem pura fantasia: o próprio Chávez, nas eleições de 2012, obteve o enorme número de 8,1 milhões de votos, durante o auge do capitalismo hiper-rentista bolivariano e antes do êxodo de cerca de 7,4 milhões de venezuelanos, quase todos adultos.

A cúpula entre a Venezuela e a Guiana… crônica de um fracasso anunciado

Os frenéticos movimentos de tropas e o novo mapa oficial venezuelano alertaram a comunidade internacional sobre uma possível invasão. Vários presidentes da região, incluindo o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, ficaram alarmados com a escalada do conflito e promoveram uma cúpula para apaziguar o clima de hostilidades. Em 14 de dezembro, foi realizado um encontro em São Vicente e Granadinas, no âmbito da Caricom e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), com o objetivo de conter a escalada do conflito.

As expectativas do governo venezuelano eram extremamente altas. Embora a base militar do novo estado, Guiana Essequiba, tenha sido instalada em Tumeremo, a cerca de 80 quilômetros da fronteira com Essequibo, o chavismo vendia a ideia de que estava construindo estradas e realizando uma mobilização logística para começar a construir casas, escolas e escritórios estatais dentro do Essequibo. Os grandiloquentes discursos colidiram com uma reunião bastante previsível. Miguel Otero resumiu bem os resultados da cúpula: a Guiana continuará controlando todo o território do Essequibo, e a Venezuela se comprometeu a não colocar nenhum pé ali. A Guiana continuará explorando unilateralmente todos os recursos naturais no território em disputa, e a Venezuela não entregará documentos de identidade aos habitantes da região. O ultimato de 90 dias para frear a exploração dos recursos naturais, dado à ExxonMobil e a outras empresas petroleiras que operam no Essequibo, fica sem qualquer efeito. O compromisso central é que tudo será resolvido «através do diálogo, da negociação e do direito internacional», como tem sido nos últimos 130 anos. 

Corolário…

A maioria dos especialistas acredita que é muito improvável que haja um conflito militar no curto prazo. Argumentam que o principal motivo do governo para a realização do referendo foi criar uma cortina de fumaça diante de sua acentuada impopularidade e do apoio crescente à principal candidata da oposição nas próximas eleições presidenciais, a conservadora María Corina Machado. O referendo pode ter servido, apesar de tudo, para lubrificar a máquina eleitoral bolivariana, preparando-a e atualizando-a para as incertas eleições de 2024.

As negociações paralelas dos Estados Unidos com o governo bolivariano em Barbados facilitaram a «troca de prisioneiros» entre os dois países, com o empresário Alex Saab como a peça central desse acordo, mas estão pendentes a libertação de presos políticos (incluindo sindicalistas detidos injustamente) e o avanço rumo a eleições competitivas, nas quais possam ser revogadas as inabilitações políticas de destacadas figuras da oposição.

Neste contexto, María Corina Machado recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça devido à sua inabilitação. Se esta for revogada, como resultado das negociações de Caracas com Washington, o governo corre o risco de uma derrota eleitoral esmagadora: todas as pesquisas dão a María Corina cerca de 75% das intenções de voto. Isto poderia inclusive abrir o debate sobre a necessidade, dentro do chavismo, de colocar um candidato presidencial com melhor desempenho nas pesquisas eleitorais que Nicolás Maduro.

Tradução: Eduardo Szklarz



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