Opinión

O furacão Milei

Sete chaves para entender as eleições argentinas


noviembre 2023

A vitória do líder libertário abre um cenário inédito na Argentina. Como compreender essa guinada política que levou ao poder um outsider da extrema direita?

Disponible en español
<p>El huracán Milei</p>  Siete claves de la elección argentina

O libertário Javier Milei venceu as eleições presidenciais argentinas com 55,7% dos votos, contra 44,3% do peronista Sergio Massa, uma diferença muito maior do que as pesquisas previam. Em apenas dois anos, este outsider alinhado com a extrema direita global saltou dos estúdios de televisão, onde era conhecido por seu estilo excêntrico e seu cabelo despenteado, para a Casa Rosada. Como a Argentina chegou a esta situação que parecia impossível meses atrás? Pela primeira vez na história do país, alguém sem qualquer experiência anterior de gestão, sem prefeitos ou governadores próprios e sem representação significativa no Congresso chega à Presidência.

1. Javier Milei, um homem sem experiência política, conhecido por seus virulentos discursos antikeynesianos e por seu desprezo pela «casta» política, expressou, nas eleições argentinas, uma espécie de motim eleitoral antiprogressista. Esse processo tem certamente particularidades locais, mas expressa um fenômeno mais amplo, que vai além do país que acaba de elegê-lo. Nas razões do inconformismo que levou parte dos cidadãos a votar em Milei, há em muitos casos fundamentos econômicos, mas a expansão do libertário também está vinculada a um fenômeno global de ascensão de direitas alternativas com discursos contra o status quo que capturam o mal-estar social e a rejeição das elites políticas e culturais. E nem sempre o fundamento da expansão das direitas é econômico. As extremas direitas constroem clivagens em função das realidades locais e crescem também em países com altos níveis de prosperidade. Milei foi incorporando muitos dos discursos dessas direitas radicais globais, com frequência de uma forma não muito aprofundada, como é o caso do discurso que postula que a mudança climática é uma invenção do socialismo ou do «marxismo cultural», ou daquele que aponta que vivemos sob uma espécie de neototalitarismo progressista.

Em grande medida, o fenômeno Milei cresceu de baixo para cima. Durante muito tempo, evoluiu longe do radar dos cientistas políticos – e das próprias elites políticas e econômicas – e conseguiu tingir o descontentamento social de uma ideologia «paleolibertária» sem qualquer tradição na Argentina (a oferta criou sua própria demanda). Seus lemas «A casta tem medo» e «Viva a liberdade, porra» se misturaram com uma estética roqueira que distanciou Milei do estilo mais rígido e formal dos velhos liberais-conservadores.

O discurso de Milei se conectou com um espírito de «fora todos os políticos», a tal ponto que conseguiu transformar essa palavra de ordem, lançada em 2001 contra a hegemonia neoliberal, no grito de guerra da nova direita.

2. Economista matemático, originalmente defensor de um liberalismo convencional, Milei converteu-se, por volta de 2013, às ideias da escola austríaca de economia na sua versão mais radical: a do americano Murray Rothbard. O crescimento político de Milei foi impulsionado por seu estilo extravagante, por seu discurso obsceno contra a «casta» política e por um conjunto de ideias ultrarradicais identificadas com o anarcocapitalismo e que desconfiam da democracia.

Desde 2016, sobretudo por meio de aparições na TV, apresentações de livros, vídeos no YouTube e aulas públicas em parques, Milei conseguiu gerar uma forte atração entre numerosos jovens, que passaram a ler diversos autores libertários e se tornaram sua primeira base de sustentação. Após seu salto para a política em 2021, ao ingressar na Câmara dos Deputados, ele conseguiu um apoio socialmente transversal, que incluiu bairros populares. Nesse contexto seu discurso, que parecia saído de A revolta de Atlas, de Ayn Rand, conectou-se com o empreendedorismo popular e com a ambivalência – por vezes radical – desses setores em relação ao Estado. A pandemia e as medidas de confinamento estatal também alimentaram várias das dinâmicas pró-«liberdade» que Milei encarna.

3. O apoio de Mauricio Macri, ex-presidente entre 2015 e 2019 e líder da «ala dura» da coalizão Juntos pela Mudança, foi decisivo para que Milei pudesse disputar o segundo turno com possibilidades. Com o apoio de Macri e Patricia Bullrich (que havia sido relegada ao terceiro lugar no primeiro turno), o discurso contra a «casta» de Milei – que parecia ter um teto de 30% dos votos – transformou-se no de «kirchnerismo ou liberdade», que havia sido o lema de Bullrich. Sua estratégia então foi expressar o voto antikirchnerista. A partir dessa base ele se fortaleceu para enfrentar o peronismo. Mas, ao mesmo tempo, Milei tornou-se enormemente dependente de Macri. O ex-presidente viu na falta de estrutura e equipes de Milei a possibilidade de recuperar o poder após o fracasso de seu governo. O macrismo fornecerá equipes ao nascente mileísmo, que por sua vez dependerá dos legisladores de Macri para alcançar uma mínima governabilidade.

4. Após o primeiro turno, Milei deixou de lado suas palavras de ordem mais radicais de privatização total do Estado, pois colidiam com as sensibilidades igualitárias e a favor dos serviços públicos de grande parte do eleitorado. No domingo 19 de novembro, o candidato do A Liberdade Avança (LLA) obteve resultados impressionantes na estratégica província de Buenos Aires, onde ficou somente pouco mais de um ponto percentual atrás do peronismo. O caso de Buenos Aires é sintomático: durante anos, o peronismo se vangloriou de manter ali seu bastião político-espiritual. O fato de a diferença ter sido pequena exige uma reconsideração do poder territorial histórico do peronismo na província – que em 2015 já tinha sido desafiado pelo macrismo – e sobretudo em suas áreas mais empobrecidas. Milei arrasou também em zonas do centro produtivo do país como Córdoba, Santa Fé e Mendoza, além de vencer em quase todas as províncias argentinas. A grande questão é o que resta agora do seu programa mais radical, incluindo a dolarização da economia, que ele nunca terminou de explicar, e o fechamento do Banco Central.

5. Milei conseguiu reverter a seu favor a derrota no debate presidencial. Naquele dia, Massa o derrotou quase por nocaute. Massa era o homem que conhecia minuciosamente o Estado, que sabia para qual câmara olhar e que se mantinha ileso apesar de ser o ministro da Economia com uma inflação anual superior a 140%. À sua frente estava um Milei quase abatido, sem as habilidades de polemista e longe do carisma demonstrado nos comícios, onde aparecia com uma serra elétrica e pedia expulsar os políticos empobrecedores «com um chute na bunda». Mas essa vitória de Massa, como logo se viu, foi uma vitória de Pirro. Além de aparecer como um ministro da Economia que só se fingia de bobo e lavava as mãos em relação ao seu papel na situação atual, ele representava como ninguém o tipo de político hiperprofissionalizado rejeitado por grande parte do eleitorado. Na campanha Massa encarnou uma espécie de frente da «casta», com o apoio mais ou menos explícito de líderes da União Cívica Radical (UCR) e de setores moderados da centro-direita, como o atual prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Milei finalmente conseguiu transformar as provocações agressivas antiprogressistas num projeto presidencial.

Após sua vitória em 19 de novembro, uma multidão saiu espontaneamente às ruas, como se fosse uma vitória no futebol. O voto em Milei combinou o voto raivoso com um novo tipo de esperança, associado a um discurso com forte carga utópica e messiânica e várias palavras de ordem reacionárias: Milei se apresentou chegando a se comparar com o próprio Moisés, como um libertador do povo argentino do «estatismo» e da «decadência». Em apenas dois anos, ele deixou de ser uma espécie de Coringa, que convocava a rebelião em Gotham City, para se tornar um novo presidente inesperado. «A estratégia de Milei foi um turbilhão, errática em muitos momentos, desordenada, mas efetiva e aglutinadora da insatisfação. As pessoas pagaram com seu voto a entrada para um novo espetáculo tendo Milei como protagonista», escreveu o analista Mario Riorda em um fio do X.

A grande questão neste momento é como essa utopia aterrissará num programa de governo. Será algo mais que um «macrismo 2.0»? Já foi antecipado que seu gabinete será uma junção entre mileístas e macristas, com papel central para Patricia Bullrich. Também ainda não se sabe ao certo qual será o papel da vice-presidente, Victoria Villarruel, uma advogada associada à direita radical, incluindo ex-militares da ditadura, e que tem como referência a italiana Giorgia Meloni.

6. As «micromilitâncias» desses últimos dias – pessoas comuns que realizavam intervenções no transporte público e em outros espaços de grande circulação – não foi suficiente para inverter uma onda que foi mais poderosa do que o esperado. Essas micromilitâncias, que focaram no negacionismo de Milei – em relação aos crimes da última ditadura, mas também à mudança climática – e nas suas propostas contra a justiça social (que ele considera uma monstruosidade), buscaram ser uma voz de alerta. Mas não explicaram por que o projeto de Massa poderia ser atraente, enfatizando apenas que era necessário estabelecer um voto-barreira para evitar a perda de direitos. Muitas dessas micromilitâncias progressistas acabaram apelando para uma defesa do sistema político (consubstanciada pela proposta de Massa de «unidade nacional»), contra a qual se havia erguido o próprio Milei com seu discurso «contra a casta». Por outro lado, em vez de destacar as qualidades do candidato peronista (nas quais muitas vezes não acreditavam), as micromilitâncias alertaram para o perigo «fascista» do seu adversário. O próprio enfraquecimento do kirchnerismo fez com que estes discursos fossem muitas vezes inaudíveis ou percebidos como sermões para uma parte da população decidida a votar no «novo» – mesmo quando o novo poderia, de fato, ser um salto para o vazio. A isso se soma o fato de que o mileísmo teve suas próprias micromilitâncias, muitas delas digitais.

O resultado da eleição acabou sendo quase uma cópia da eleição de Jair Bolsonaro contra Fernando Haddad em 2018. O «medo» que a campanha de Massa instalou enfrentou o «cansaço» da campanha de Milei. O progressismo argentino enfrenta agora um balanço desses anos; a necessidade de se reinventar num novo contexto político-cultural: uma potencial onda reacionária. «Estas eleições não representam apenas uma derrota do kirchnerismo, da [coalizão de Massa] União pela Pátria ou do peronismo em geral. São acima de tudo uma derrota da esquerda. Uma derrota política, social e cultural da esquerda, dos seus valores, das suas tradições, dos direitos conquistados, da sua credibilidade», escreveu o historiador Horacio Tarcus.

7. A vitória de Milei levará a uma mudança cultural no país em linha com a sua ideologia ultracapitalista? Poderá transformar o apoio eleitoral em poder institucional eficaz? Conseguirá essa nova direita, fruto de uma junção entre libertários e macristas, governar «normalmente»?

Se Milei deu o sorpasso ao Juntos pela Mudança, dependeu depois de Macri e Bullrich para obter os votos para o segundo turno. Milei ganhou a Presidência; Macri ganhou poder político. Milei poderá fazer o ajuste radical que prometeu? Qual será a força da resistência – dos sindicatos e dos movimentos sociais – contra um governo que se situará muito à direita de Macri (2015-2019) e que promete terapia de choque? Milei conseguirá construir uma base social para sustentar suas reformas?

Depois das 22 horas do domingo 19 de novembro, o presidente eleito recuperou o tom de barricada e saga histórica diante de seus seguidores. Apresentou-se como o «primeiro presidente liberal-libertário da história da humanidade», referiu-se ao liberalismo do século XIX e repetiu que em seu projeto não há lugar «para gente morna». Seus seguidores responderam cantando «Fora todos os políticos, que não fique nenhum».

Tradução: Eduardo Szklarz

Artículos Relacionados

Newsletter

Suscribase al newsletter

Democracia y política en América Latina