Opinión
noviembre 2023

O humanismo desarmado da América Latina

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A eclosão do conflito em 7 de outubro devido ao ataque do Hamas contra a população civil em Israel também gerou repercussões na América Latina. Como a região se posiciona em termos políticos e humanitários?

<p>El humanismo desarmado de América Latina</p>

A polarização política que acompanha as narrativas de «soma zero» da maior parte dos conflitos armados no mundo, que hoje afetam mais de 56 Estados, assumiu uma força tão grande que foram fechados, quase por completo, os espaços para falar de iniciativas de paz e construir soluções consensuadas de curto ou médio prazo. Neste clima de extrema tensão, nem mesmo a gestão de pausas e corredores humanitários conta com consensos mínimos, apesar dos graves efeitos sobre a população civil. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a disputa entre a Armênia e o Azerbaijão pelo controle de Nagorno Karabakh e, agora, a escalada militar entre o Hamas e Israel são os exemplos mais visíveis. A paralisia diante dos custos humanos do uso da força também ocorre em cenários de conflito de baixa intensidade, onde os Estados perderam o monopólio da violência para garantir condições mínimas de segurança, o que dá origem a fluxos de migrantes forçados, refugiados e deslocados expostos a uma violência cotidiana e sem proteção internacional.

A América Latina ocupa um lugar particular no contexto de crescente conflituosidade. Por se tratar de uma zona periférica do Sul global e meridional do Ocidente, beneficia-se da sua reduzida importância estratégico-militar e do seu distanciamento tanto geográfico como cultural das guerras extrarregionais. Durante os anos do pós-Guerra Fria e ainda mais após os ataques de 11 de setembro de 2001, a região preservou sua distância dos principais focos de conflito da geopolítica global e manteve ativos seus compromissos com a paz regional e a solução pacífica das disputas territoriais regionais, sua adesão a regimes de não proliferação e o abandono de agendas de intolerância religiosa e discriminação étnica em suas sociedades.

A diversidade latino-americana frente ao conflito no Oriente Médio

A eclosão do conflito de 7 de outubro devido ao ataque terrorista do Hamas contra a população civil em Israel também gerou repercussões na América Latina. Três fatores conectam a região à guerra: as posições históricas e atuais dos países frente às disputas territoriais e reivindicações contrapostos entre o Estado de Israel e aqueles que defendem a causa palestina; os contextos domésticos de cada realidade nacional, com os pesos e vozes das comunidades de origem judaica e árabe-palestina que têm incidência nos meios de comunicação e afetam a opinião pública; e os níveis de autonomia e aquiescência de cada país em relação aos Estados Unidos, combinados com o lugar dos vínculos com Israel nas políticas exteriores latino-americanas.

Um mapeamento não exaustivo nos permite ajustar o foco sobre o mosaico de diásporas na região e os impactos nas vítimas e nos reféns gerados pelo conflito. No Chile residem quase meio milhão de chilenos de origem palestina; trata-se da maior comunidade palestina fora do mundo árabe. Três israelenses de origem chilena foram assassinados, e há um refém nas mãos do Hamas. Na Argentina, a comunidade judaica conta com 180.000 pessoas, a quarta diáspora do mundo, enquanto oito argentinos morreram e há 22 reféns nas mãos do Hamas. No início dos anos 90, o país sofreu dois ataques terroristas que tiveram como alvo a Embaixada de Israel em 1992 e a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em 1994, ambos em Buenos Aires. No caso do Brasil, três cidadãos do país foram assassinados, e o governo busca a libertação de 29 reféns mantidos na Faixa de Gaza. No Brasil há uma comunidade judaica de aproximadamente 120.000 pessoas, a segunda da América Latina, e quase 60.000 refugiados ou imigrantes palestinos. Na Colômbia vivem aproximadamente 100.000 pessoas de origem palestina de diferentes gerações e cerca de 2.000 judeus. Dois colombianos morreram no ataque do Hamas. No México, a população judaica é de pouco mais de 60.000 pessoas, e é conhecida uma pequena comunidade de origem palestina; o governo tenta libertar dois reféns mexicanos nas mãos do Hamas. A coexistência interétnica e inter-religiosa pacífica, ao longo de sucessivas ondas migratórias, tem se destacado como uma singularidade latino-americana.

A diversidade de reações dos países ao conflito, além de um reflexo humanitário imediato, reflete a história de posições individuais desde 1947 em relação à fundação do Estado de Israel e ao adiamento do reconhecimento de um Estado Palestiniano soberano. De maneira geral, a região compartilha o apoio à criação de dois Estados, expresso em repetidas votações do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), mantém seu respaldo aos Acordos de Oslo e tem manifestado solidariedade humanitária com o povo palestino. As diferenças de posturas nas políticas exteriores latino-americanas foram, e ainda são, influenciadas pelo tipo de laços com os Estados Unidos. As atuações diplomáticas com orientações mais autônomas têm incluído posições de apoio à criação de um Estado Palestino, o que nos últimos 12 anos significou a ampliação diplomática da Autoridade Nacional Palestina na região. Nos regimes bolivarianos, o apoio à causa palestina contém uma conotação ideológica associada às bandeiras políticas internas e aos alinhamentos internacionais. No outro extremo, as ambições territoriais do Estado de Israel ganharam o apoio dos líderes políticos de extrema direita na região, em alguns casos reforçados pela colaboração militar e de inteligência israelense. Tais extremos não comprometeram a sinalização imediata, na região, de um piso comum de sensibilidade humanitária frente aos custos em vidas do conflito. 

O desafio de consolidar um piso comum humanitário 

Se compararmos os impactos sequenciais da guerra na Ucrânia e do conflito no Oriente Médio, observamos uma espiral de frustração e incompreensão mútua entre a América Latina e as potências ocidentais. No primeiro caso, o desencontro se manifestou nos pedidos não atendidos de sanções econômicas contra a Rússia e de apoio bélico à Ucrânia por parte das máximas autoridades europeias e estadunidenses. O principal desencontro agora é o respaldo incondicional de Washington à resposta militar de Israel. Esse apoio implica ignorar os custos em vidas da população civil e legitima, em nome do direito à defesa, a rejeição a um cessar-fogo e à abertura de corredores humanitários. O ponto de convergência das posições latino-americanas dá prioridade ao Direito Internacional Humanitário sobre outras considerações relativas ao terrorismo e às disputas territoriais em jogo.

As concordâncias não têm sido fruto de negociações intrarregionais, e sim o resultado de uma memória diplomática coletiva comprometida com o primado do direito internacional. No entanto, um cenário de posicionamentos dominantes na região, de um lado ou de outro do conflito, teria três efeitos negativos: abrir espaços para alianças extrarregionais que expõem a América Latina a pressões e tensões alheias e custosas; desviar o foco político central da questão humanitária; e, por último, exacerbar a polarização política interna e a fragmentação regional. Ao mesmo tempo, a percepção de que a neutralidade não é suficiente movimenta posições diplomáticas na região, como demonstraram os gestos da Bolívia, da Colômbia e do Chile.

No âmbito da governança global, os caminhos do diálogo e da negociação para frear e reverter as consequências humanitárias do conflito entre Israel e o Hamas estão se esgotando. Durante o mês de outubro, no Conselho de Segurança da ONU, sob a presidência do Brasil, foram discutidos seis projetos de resolução fracassados, aos quais se somou a baixa efetividade da resolução para uma pausa humanitária aprovada na Assembleia Geral dessa instituição com o apoio majoritário do Grupo América Latina e Caribe (GRULAC). A atuação do Brasil na Presidência do Conselho, acompanhado pelo Equador, foi uma marca do compromisso latino-americano com a resiliência de um multilateralismo ativo e propositivo em favor da paz. No final, o país contou mais com o apoio do Secretário-Geral da ONU do que com o apoio dos membros permanentes do Conselho de Segurança, que não pouparam a sua prerrogativa de poder de veto.

Atualmente, o piso comum latino-americano frente à guerra no Médio Oriente obriga a imaginar opções viáveis de humanitarismo desarmado para assistir a população civil, garantir a libertação dos reféns, acelerar o cessar-fogo, ativar mecanismos multilaterais contra crimes de guerra, em particular o Tribunal Penal Internacional (TPI), e mostrar possibilidades de diálogo para a paz inter-religiosa como a que existe na região. Em nome de um humanitarismo desarmado, a América Latina procura fazer ouvir a sua voz crítica e apreensiva frente aos riscos de que as potências mundiais repitam erros que apenas agravem a banalidade do mal em escala global.

Tradução: Eduardo Szklarz



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